terça-feira, 3 de novembro de 2009

Museu das Musas fazendo falta

museu das musas

sempre ouvi
que poetas
são seres solitários
freqüentados por musas aéreas
que os alucinam
& inspiram

ouvi também
que musa
é aquela que passa
& tece as taras
do verso no vácuo do mote

para os helênicos
as musas eram
vozes virgens de rios & lagos
regatos & gretas

para os apixanas
elas são a utopia anciã:
nem uiara, nem urutau
nem cuniã

poetas & cientistas
evocam–nas
pedindo
engenho & arte
para lavrar a palavra
& mitigar o enigma

as musas, de certo
são niñas arteiras & sábias
que a escarpa cantante
do olimpo
grafitou como divas etéreas
nas paredes sonoras
dos vasos falantes

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Poetas, compositores e parceiros

menino da água
(Bado/Sérgio Rivero)

menino da água doce que encanta
envereda nessa mata ao norte desse país
América gente mais linda
América gente mais índia.

banhar nos igarapés da Amazônia
qual flor desse araçá
que a corrente leva a brincar
pras margens do grande rio... pras margens do grande rio

terra onde se terá
coisas de mais brincar

Maria a me esperar
ardendo em febre na rede

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Maninho no Menino da água doce é mais que doce

Vila Calama
Ao Laio, Binho e outros curumins
In memoriam: Beth
Naquele tempo na remota vila de Calama
o tempo era medido pelo coração selvagem
e pelo luar bem perto dos olhos
não havia ainda lido os poemas do Gullar
não havia visto o azul do mar do Ceará
não havia tomado minha primeira coca-cola
a vida tinha os olhos das papoulas vermelhas
a visão encarnada de verde eram gritos das araras
o coração era um crepúsculo manchado de barrancos
o sangue era amarelo do rio que corria nas minhas veias
florindo as margens de campos de tangerinas
guaranás de olhos encantados
seringueiras de tetas repletas de volúpias e leites
jatuaranas de escamas de sol e desejos
havia missas e castiçais e novenas
arrais profanos e quadrilhas e boi bumbais
o boto tucuxi espreitava as meninas
a uiara encantava os meninos
pião roxo curava as feridas
batelão levava e trazia os sonhos do radio
a zagaia domava o coração bravio
o remo domesticava a proa da canoa
tatuava os músculo do caboclo de artérias fortes
alimentava a cuia de açaí e abacaba e patuá
abria as vértebras do roçado de farinha d¿água
tremia de sabias as folhas da palmeiras
as pupunhas era uma tela cromática em cachos
igarapés refletiam minha alma de narciso
molhava meu corpo de Dionísio
gelava meus sonhos de caapi e caiçuma
trazia-me de volta para o reino telúrico
tacacá aquecia minhas entranhas
adormecendo meus lábios com goles quentes
a vida não tinha calendários nem eras
era regida pelo impulso das estações
mas o barco que me levou não voltou
conheci os vagões da madeira-mamoré
li um poema do Drumond
a metafísica de Aristóteles
tomei uma coca-cola e escutei uma ópera
olhei teus seios escondidos na via-láctea
teu sorriso na propaganda da televisão
masquei um chiclete repleto de mais-valia
comi um chocolate marcado pelo suor
andei por uma avenida sem fim
atravessei agitados cruzamentos
mastiguei meu primeiro filme com pipocas
gelei meu coração com sorvete de máquina
procurei as estrelas que sumiram do céu
tive minha primeira insÿnia no hotel
engoli minha enxaqueca com pílulas brancas
meus dias eram dos calendários
minhas horas e minutos eram tic-tac dos relógios
a guerra dos sete dias nas revistas
o gibi colorido de confeitos e lápis de cor
a maria-fumaça era pura realidade de metal
ia para outra cidade atravessando pontes de aços
o mercado central incendiou a cidade
Vespasiano Ramos era cousa alguma a cada passo
declamado pelo Cabo Lira na esquina no bar na praça
lírico embriagado de sonetos de luar
a poesia do Binho o Café Santos o Bar do Arara
Jota Limat o cine Brasil o cine Guarani mas ali
o cavaquinho telegrafado pelos acordes do Ivo
mandou mensagem ao meu coração agitado
minha alma se perdeu na imensidão do Cai n¿água
no drama do teatro amazonas
o Madeira levou minhas mágoas
o rio Negro enxugou minhas lágrimas
o Mamoré mergulhou minha paixão
nunca mais encontrei meu primeiro amor
nunca mas me encontrei
nem respondi as perguntas
que foram sendo formuladas pela minha razão
e passei a vagar pelo ocidente.
Luiz Alfredo

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Luiz Alfredo (Maninho) poetando no Menino da água doce

As faces dos meninos se modificaram
apareceram algumas rugas
cairam cabelos outros ficaram brancos
alguns olhares são de vidros grossos
o sorriso é meio encabulado
falam do passado do outro lado do rio
ainda entram no cio
olham as meninas que passam
que um dia também serão passados
jogam melhor xadrez
conhecem os segredos dos dados
tocam melhor violão
alguns são solitários
moram nas montanhas nietzschiana
alguns nas cabana de thoureau
brincam nos lagos e igapós
pescando sardinhas branquinhas e lembranças
estudam com as rãs
com se fazem poemas haikais
alguns são meios urbanos
moram em apartamentos distantes
estudam com bilac
e outros livros de poemas na estante
como se fazem sonetos
e como entender estrelas e amar
fazem poemas concretos e destroem outros
para reconstrui-los pós-modernamente novamente
brincam com filosofia s e poesias tribais
linguagens imagens fundamentais
esculturas de barra de sabão
e olham da janela nublada de tabela periodica
a urbanidade passar pelas ruas encharcadas de automoveis
prédios repletos de janelas e torres de babel
que querem chegar aos céus
entender o inglês e outras linguas embaralhadas
imoveis que destruiram florestas
igarapés cristalinos flores beija-flores abelhas e mel
alguns moram em casas antigas
criam cão passarinhos peixinhos de aquários
e leêm os poemas de anchieta
levados pelo mar escrito nas areias
agora trazidos pela veias da internet
cultivam orquideas estrangeiras em kitnet
lousas antigas nos armários
colecionam olhos de bois
controlam o colesterol
comem salsão alface ruculas orgãnicas
arenque linguado salmão
e contemplam o arrebol na beira-mar
na beira do rio meio lindo meio esgoto
alguns são loucos e pescam peixes- voadores
com baladeiras de cannabis e do euzebio
pintam o arco-íris ofuscado
com outras cores misturadas na web
inventam palavras saladas e poemas
montam fuscas ultrapassados
escrevem romances numa olimpus
escutam a rita do chico na vitrola
tiram acordes dissonantes na viola
escuta um blues no gravador
toma uma vitamina um anador
e vão envelhecendo dialeticamente
a tartaruga de zenão não sai do lugar
mas o rio de heraclito não pode esperar
transforma nossos rostos em rugas profundas
nossos sentimentos em poemas
a lagarta verde em borboleta azul
e nos muda de lugar eternamente.

Luiz Alfredo

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Poesia & letra de música

claro mistério

de onde virá tua luz
claro mistério
e o que será que diz
teu raio?

vasos falantes
vazam
versos voláteis no vão
voz e visão

a cada palavra
nascem, crescem
frases que ensinam o som da ilusão
lisa lição

o que escondes na noite me faz
carente de manhãs
e o que revelas evola e vai
leve segredo
luz fugaz

pois aos meus olhos pareces mais
oásis que razão
miragem, incenso que se desfaz
claro mistério
lua atroz

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Poema para os meninos da água doce

boi de menino

o
ribeirinho
curumim
sabe
tão bem
tocar tambor

faz a levada do bumbá
faz a levada do pelô

xote, afoxé
blues, carimbó
rock, “for all”, siriá

tango, baião
salsa, sambão
jazz, boleron, sirimbó

o
ribeirinho
curumim
bate
também
os pés no chão

dança o sotaque parintins
dança o sotaque maranhão

e no curral do seu bumbá
diz-que azul nunca ele foi
nem o vermelho é cor de boi
ou catirina é cazumbá

boi de menino é marronzim
ou corre-campo ou malhadim
toda toada entoa e troa

domingo, 26 de abril de 2009

Arte e Comunicação

Ficção para uma biografia autorizada

Nasci no décimo quarto dia do primeiro mês do último ano da quinta década do século passado. Reza a lenda que foi no meio de uma manhã ensolarada e invernal, na qual gaivotas brincavam de inventar fissuras sonoras no incomensurável azul. A cidade e a maternidade beirando o Madeira – pleno de barro e troncos trazidos pelo degelo andino – oportunizaram ao choro recém-nascido misturar-se ao sussurro das águas no roçar das ribanceiras e ao esguicho dos botos nos remansos e enseadas. Vem daí, acredito, o hábito de expressar e referenciar a linguagem em palavras, imagens e sons.

Menino, preferi creditar à fantasia grande parte do meu olhar o mundo. Os papagaios empinados ao vento de julho, flechando ao sabor das peripécias das correntes, tramavam, na cumplicidade entre a linha e o papagaio, a condução do vôo no olhar do menino. Ver para mim virou voar. Ler para mim virou voar. Voar para mim virou transcriar as impressões que apreendemos do mundo em palavras. Assim venho aprendendo o jogo da linguagem.

Comecei copiando os meus autores preferidos. Interiorizava a mágica e com ela construía as asas que me possibilitariam superá-la.
Nesse processo de assimilação e superação, produzi artisticamente em várias modalidades de linguagem. Compus canções (com gravações efetuadas em vinil, CD e trilhas sonoras de vídeos), escrevi e apresentei peças teatrais, e escrevi e publiquei em livros de poesia e prosa.

Da poesia resultaram os livros Remo a duas mãos (em parceria com o poeta Basinho, na década de oitenta, pela editora Pannartz), Poukas, Roukas e Loukas (Mimeografado e ilustrado pelo compositor roraimense Armando de Paula, também da década de oitenta) e Na ponta da língua (pela editora Miguilim, década de noventa, adotado pela FNLIJ). Em 2003, pela EDUFRO (Editora da Universidade Federal de Rondônia), publiquei o livro de poesia Arabescos Aéreos, adotado para o vestibular de 2004 e 2005 da UNIR. Na prosa, a produção ligou-se mais ao gênero ensaístico, como a escritura em parceria com o poeta Carlos Moreira no livro Olhares sobre a Amazônia (pela Edufro, em 2001).

Continuo, apesar dessa aparência de senhor que agora me acompanha, o mesmo menino em busca dos sortilégios e encantamentos incrustados nos jogos da linguagem poética. Sei que a mágica é uma técnica que transcendeu os limites da racionalidade. Portanto, a poesia que me freqüenta está em constante movimentação e motivação na busca de garatujas e tartamudeios que atualizem a língua da tribo dos homens.
Continuo o mesmo menino, mas quando crescer quero ser boto tucuxi e ficar encantando uiaras no vai-e-vem da correnteza dos versos.