segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Maninho no Menino da água doce é mais que doce

Vila Calama
Ao Laio, Binho e outros curumins
In memoriam: Beth
Naquele tempo na remota vila de Calama
o tempo era medido pelo coração selvagem
e pelo luar bem perto dos olhos
não havia ainda lido os poemas do Gullar
não havia visto o azul do mar do Ceará
não havia tomado minha primeira coca-cola
a vida tinha os olhos das papoulas vermelhas
a visão encarnada de verde eram gritos das araras
o coração era um crepúsculo manchado de barrancos
o sangue era amarelo do rio que corria nas minhas veias
florindo as margens de campos de tangerinas
guaranás de olhos encantados
seringueiras de tetas repletas de volúpias e leites
jatuaranas de escamas de sol e desejos
havia missas e castiçais e novenas
arrais profanos e quadrilhas e boi bumbais
o boto tucuxi espreitava as meninas
a uiara encantava os meninos
pião roxo curava as feridas
batelão levava e trazia os sonhos do radio
a zagaia domava o coração bravio
o remo domesticava a proa da canoa
tatuava os músculo do caboclo de artérias fortes
alimentava a cuia de açaí e abacaba e patuá
abria as vértebras do roçado de farinha d¿água
tremia de sabias as folhas da palmeiras
as pupunhas era uma tela cromática em cachos
igarapés refletiam minha alma de narciso
molhava meu corpo de Dionísio
gelava meus sonhos de caapi e caiçuma
trazia-me de volta para o reino telúrico
tacacá aquecia minhas entranhas
adormecendo meus lábios com goles quentes
a vida não tinha calendários nem eras
era regida pelo impulso das estações
mas o barco que me levou não voltou
conheci os vagões da madeira-mamoré
li um poema do Drumond
a metafísica de Aristóteles
tomei uma coca-cola e escutei uma ópera
olhei teus seios escondidos na via-láctea
teu sorriso na propaganda da televisão
masquei um chiclete repleto de mais-valia
comi um chocolate marcado pelo suor
andei por uma avenida sem fim
atravessei agitados cruzamentos
mastiguei meu primeiro filme com pipocas
gelei meu coração com sorvete de máquina
procurei as estrelas que sumiram do céu
tive minha primeira insÿnia no hotel
engoli minha enxaqueca com pílulas brancas
meus dias eram dos calendários
minhas horas e minutos eram tic-tac dos relógios
a guerra dos sete dias nas revistas
o gibi colorido de confeitos e lápis de cor
a maria-fumaça era pura realidade de metal
ia para outra cidade atravessando pontes de aços
o mercado central incendiou a cidade
Vespasiano Ramos era cousa alguma a cada passo
declamado pelo Cabo Lira na esquina no bar na praça
lírico embriagado de sonetos de luar
a poesia do Binho o Café Santos o Bar do Arara
Jota Limat o cine Brasil o cine Guarani mas ali
o cavaquinho telegrafado pelos acordes do Ivo
mandou mensagem ao meu coração agitado
minha alma se perdeu na imensidão do Cai n¿água
no drama do teatro amazonas
o Madeira levou minhas mágoas
o rio Negro enxugou minhas lágrimas
o Mamoré mergulhou minha paixão
nunca mais encontrei meu primeiro amor
nunca mas me encontrei
nem respondi as perguntas
que foram sendo formuladas pela minha razão
e passei a vagar pelo ocidente.
Luiz Alfredo

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Luiz Alfredo (Maninho) poetando no Menino da água doce

As faces dos meninos se modificaram
apareceram algumas rugas
cairam cabelos outros ficaram brancos
alguns olhares são de vidros grossos
o sorriso é meio encabulado
falam do passado do outro lado do rio
ainda entram no cio
olham as meninas que passam
que um dia também serão passados
jogam melhor xadrez
conhecem os segredos dos dados
tocam melhor violão
alguns são solitários
moram nas montanhas nietzschiana
alguns nas cabana de thoureau
brincam nos lagos e igapós
pescando sardinhas branquinhas e lembranças
estudam com as rãs
com se fazem poemas haikais
alguns são meios urbanos
moram em apartamentos distantes
estudam com bilac
e outros livros de poemas na estante
como se fazem sonetos
e como entender estrelas e amar
fazem poemas concretos e destroem outros
para reconstrui-los pós-modernamente novamente
brincam com filosofia s e poesias tribais
linguagens imagens fundamentais
esculturas de barra de sabão
e olham da janela nublada de tabela periodica
a urbanidade passar pelas ruas encharcadas de automoveis
prédios repletos de janelas e torres de babel
que querem chegar aos céus
entender o inglês e outras linguas embaralhadas
imoveis que destruiram florestas
igarapés cristalinos flores beija-flores abelhas e mel
alguns moram em casas antigas
criam cão passarinhos peixinhos de aquários
e leêm os poemas de anchieta
levados pelo mar escrito nas areias
agora trazidos pela veias da internet
cultivam orquideas estrangeiras em kitnet
lousas antigas nos armários
colecionam olhos de bois
controlam o colesterol
comem salsão alface ruculas orgãnicas
arenque linguado salmão
e contemplam o arrebol na beira-mar
na beira do rio meio lindo meio esgoto
alguns são loucos e pescam peixes- voadores
com baladeiras de cannabis e do euzebio
pintam o arco-íris ofuscado
com outras cores misturadas na web
inventam palavras saladas e poemas
montam fuscas ultrapassados
escrevem romances numa olimpus
escutam a rita do chico na vitrola
tiram acordes dissonantes na viola
escuta um blues no gravador
toma uma vitamina um anador
e vão envelhecendo dialeticamente
a tartaruga de zenão não sai do lugar
mas o rio de heraclito não pode esperar
transforma nossos rostos em rugas profundas
nossos sentimentos em poemas
a lagarta verde em borboleta azul
e nos muda de lugar eternamente.

Luiz Alfredo